Marcas do tempo


Dia desses estava no salão renovando a juba! Enquanto auxiliava a cabeleireira segurando uma das minhas mechas, vi meu primeiro fio de cabelo branco!!! Pareceu-me mais um recado numa placa luminosa, escrita em neon piscante:
V-O-C-Ê   E-S -T Á    V -E -L -H -A!
Instantaneamente bateu uma deprê.. tô ficando velha mesmo! Sei que cabelo branco não significa necessariamente idade avançada, que pessooas ficam grisalhas precocemente. Mas na minha familia significa sim! Ninguém tem cabelo branco precocemente! Então é um sinal de que a idade chegou pra mim!

Passado o desespero inicial, meu primeiro fio de cabelo branco me levou a uma viagem ao túnel do tempo.

Me lembrei de muitas das minhas primeiras marcas que a vida deixou na minha pele.
É engraçado que quando damos entrada no mundo, normalmente chegamos ilesas. Graças a Deus e muitas orações de familiares, cheguei sem nada quebrado, com tudo funcionando lindamente… pulmãozinho, coraçãozinho, olhos, dedinhos.. tudo em seus devidos lugares, sem cicatrizes ,cabeluda e sem nenhum fio de cabelo branco.
Então passam-se alguns dias e já começo a colecionar as minhas primeiras marcas. O umbigo seca, e aí vem minha primeira cicatriz.
E conforme vou colecionando cicatrizes, percebo que a maioria delas foram regadas com lágrimas. Já nasci chorando! Também pudera, mal chego ao mundo e já me cortam o umbigo.
Depois a dolorida da BCG, felizmente não me lembro dos sintomas, nem das dores, mas a marca está aqui, pra comprovar meu momento penoso diante da temível agulha, que posteriormente se tornaria parte da minha rotina e que acabou me fazendo perder o medo.
E veio a catapora, dessa eu lembro perfeitamente! Acabou com minha pele lisinha de criança. Era ferida pra tudo quanto é lado, depois foram secando, mas as cicatrizes… Ah! Essas foram insistentes, ainda carrego algumas marquinhas até hoje.
Depois o meu primeiro tombo de bicicleta esse também foi inesquecível.
Quis aprender escondida, o tombo foi feio, consequentemente não pude chorar na frente da minha mãe, pois desobedeci suas ordens, logo me enfiei no banheiro, chorei escondida e dei um jeito de esconder também o arrombo no joelho esquerdo.
E teve a mordida do cachorro da vizinha, que me segurei sem chorar
firme e forte, até minha mãe olhar e se assustar com o tamanho do furo, então desisti de ser forte , desabei em seu colo e chorei até soluçar. Nada que 30 dias de curativo não dessem jeito na mordida..mas a marca do dente do Faísca se mantém até hoje na minha canela.. (só se passaram 20 e poucos anos e ainda lembro o nome do danadinho).
Mas difícil mesmo era quando a mãe da gente resolvia “curar” nossos machucados com merthiolate! (Só os fortes e com mais de 30 entenderão)
E conforme o tempo vai passando, os tombos vão diminuindo mas as marcas continuam. E outras marcas tendem a aparecer.
Chega a adolescência, e com muito pesar a gente descobre os vasinhos, a celulite, estrias , varizes… mas aí a gente já não chora mais, mas fica uma angústia, e a gente não para de olhar..como se olhar fosse fazer o vasinho sumir. Mas não some.. só aumenta!.
E o tempo vai passando, e então alcançamos a fase adulta, as marcas de expressão dão as caras, que a gente faz questão de disfaçar, com uma boa maquiagem. E agora cabelo branco!
Mais uma marca pra colecão.
Desconfio que na verdade essas coisas de agulhas ,feridas, tombos e cicatrizes é um treinamento bem dos eficientes que a vida nos oferece gratuitamente, pra que quando a gente cresça, consiga lidar com as verdadeiras dores, que cá entre nós não são poucas né?
E constatemente a vida faz isso com a gente. Com o passar dos tempos injeções aparecem disfarçadas de decepções, perdas , igualmente doloridas umas mais, tipo bezetacil, outras menos. Mas depois que crescemos, não temos mais a liberdade de expor nossas dores, já fica deselegante chorar na frente de outras pessoas. Gente grande não chora! Gente grande é forte! Então fingimos ser fortes e quando ninguém tá vendo, a gente libera nossa criança e chora feito um bebê. E aí é um berreiro só.
E com o passar dos anos a vida vai nos passando umas rasteiras. E aí vem os tombos, vários deles!
Mas ainda bem que tem os curativos..por mais que às vezes doa um pouquinho, a gente sabe que é pra cicatrizar o ferimento. E esses curativos vêm em forma de conselho de mãe (normalmente esse é o merthiolate, dói pra caramba mas a gente sabe que é pra melhorar) tem curativo em forma de colo de vó, ombro de amiga, abraço de namorado, de algum modo sempre terá um curativo pra amenizar nossos ralados, nossos tombos.
Mas as cicatrizes… essas na maioria das vezes permanecerão pra sempre em nossas peles.
Depois de viajar no meu túnel do tempo particular, concluí que meu fio de cabelo branco é um presente!
Um presente da vida, por passar por fases nem sempre tão simples e chegar até aqui, ainda que cheia de cicatrizes e marcas, mas com muita vontade de passar para a próxima fase! Porque sei que ainda virão muitas marcas, e antes delas, alguns escorregões, as vezes seguidos de tombos feios mesmo..
Mas espero que pra todos esses tombos, eu tenha a sorte de contar com alguns curativos.
E quanto ao fio de cabelo branco, vou considera-lo como tempo de vida, sendo assim, espero que venham muitos ainda!